"Ela
é muito ativa, lúcida e independente.
Ainda se interessa por assuntos
como economia, por exemplo”, contou, orgulhosa, Ana Maria Alvim, quando a
reportagem da Revista E tentou arrumar uma brecha na agenda de sua mãe,
a baiana Elza Alvim, de 98 anos “e meio”, como ressalta a filha.
Encontrar uma janela entre os compromissos da quase centenária dona Elza
é tarefa árdua.
“Amanhã, não dá.
É dia de cabeleireiro”, alegou na
primeira tentativa.
“Já faz um tempo que não faço as unhas e arrumo o
cabelo, enfim, toma muito tempo”.
A reportagem quis marcar para dali a
dois dias.
“Também não dá. É o dia em que o pessoal [a família] vem
almoçar aqui. Fica tudo muito agitado”, desculpou-se.
Depois de algumas
tentativas, o encontro aconteceu.
Vida
longeva não é novidade na família da entrevistada.
A avó de dona Elza,
Guilhermina, viveu até os 100 anos – o que era raro na época, século 19,
quando a expectativa de vida dos brasileiros ia pouco além dos 40.
E o
feito de dona Elza nesse quase um século de vida é de impressionar.
Nunca teve uma doença grave e seus exames periódicos revelam a mais
perfeita saúde.
Não usa óculos nem sofre de perda de memória.
O único
sentido que a idade alterou foi a audição, reparada com o uso de um
aparelho.
No mais, tudo permanece como sempre foi, inclusive a vaidade.
No dia da entrevista, unhas bem-feitas, cabelos arrumados e leve
maquiagem com batom rosa-claro formavam o visual bem cuidado.
“Sempre
fui vaidosa e perfeccionista”, diz ela.
Percebe-se.
A pele do rosto é a
de quem nunca exagerou no sol nem se submeteu a cirurgias plásticas. Nas
mãos e braços não há manchas.
As pernas, motivo de orgulho, permanecem
rijas.
Dona
Elza envelheceu, mas não perdeu a vida.
Atualmente vive com o neto.
Aliás, ele vive com ela, depois de se separar.
De segunda a sexta conta
com a ajuda de um motorista e de uma empregada doméstica para as tarefas
do dia-a-dia.
“Mas sou eu que faço tudo”, ressalta.
“Vou ao
supermercado e ao banco e, às vezes, faço a comida, usando coisas leves e
saudáveis.
” A alimentação foi sempre preocupação na família de dona
Elza.
“Na minha casa não comíamos carne.
Meu pai não tinha esse hábito.
Havia muita verdura e sementes oleaginosas, como nozes.
Foi sempre
assim”, relembra.
Cigarro e álcool também nunca fizeram parte de seus
hábitos.
Novidade
Dona
Elza é o retrato do casamento de diversos fatores.
“O avanço científico
do século 20 foi determinante para aumentar a longevidade.
A senhora
quase centenária teve a sorte, é verdade, de ter nascido no século 20,
era de grandes avanços na medicina, e de ter vindo de uma família que
lhe proporcionou boas condições de vida, repassando a ela, ainda,
componentes genéticos favoráveis.
Mas somente isso não garante que se
desfrute um envelhecimento saudável”, explica a geriatra Andrea Prates,
coordenadora do Centro Internacional de Informações para o
Envelhecimento Saudável (Cies).
“Além de fatores como genética e
ambientes favoráveis, hábitos saudáveis são também determinantes.”
É
aí que entra o mérito de dona Elza.
Durante a maior parte da vida ela
manteve a preocupação com seus hábitos.
Algo tão importante quanto eles,
desfrutou de uma vida social ativa, cercada por amigos e pautada por
interesses próprios.
“Gosto de música.
Estudei violino e piano e sempre
gostei de costurar minhas roupas”, conta ela.
Ana Maria, a filha, tem
razão quando fala, empolgada, sobre o interesse da mãe por assuntos
atuais.
“Atividade intelectual e o interesse por assuntos do cotidiano
fomentam o convívio social e estimulam as funções mentais, mantendo os
neurônios mais ativos”, segue a doutora Andrea Prates.
“E isso
contribui, inclusive, para a boa memória.”
Porém, não existe uma única
fórmula.
Assim como as pessoas são diferentes, a maneira como cada um
envelhece também.
Mas é consenso entre os especialistas que é possível, e
recomendável, que se comece a pensar na velhice antes de ela chegar.
E
isso não significa apenas recorrer ao corretor mais próximo à procura de
um plano de previdência.
O “investimento” deve ser também pessoal.
Diante dessas novas informações há muita gente disposta a reinventar o
modo de vida em nome do presente e do futuro.
Começar de novo
“Estão
vendo aquela escada ali?
Como é que vocês querem subi-la daqui a 20
anos?
De cabeça erguida ou apoiados em uma muleta?
” Essa foi a pergunta
que a jornalista Márcia Ribeiro, de 43 anos, escutou durante uma
palestra de Abílio Diniz, presidente do Grupo Pão de Açúcar, em São
Paulo.
“Aquilo ficou na minha cabeça”, conta Márcia.
O empresário é tido
como exemplo do homem que a certa altura da vida incorporou novos
hábitos em prol de um presente e de um futuro mais saudáveis.
Até a tal
palestra, Márcia tinha uma rotina muito diferente da que tem hoje.
Era
fumante – chegava a fumar um maço de cigarros por dia –, dormia pouco,
cerca de três horas por noite, se alimentava mal e era sedentária.
“Pegava o carro para ir à padaria”, lembra.
Há três meses, no entanto,
Márcia resolveu que era chegada a hora de mudar.
“Resolvi mudar de vida
para enfrentar os próximos anos”, diz.
A gota d'água foi perceber que
todo alimento ingerido tinha o mesmo gosto, o do cigarro.
O paladar
alterado lhe tirava a fome.
“Eu simplesmente não comia.
Ainda estranho a
sensação de fome”, conta ela, que engordou 7 quilos nos últimos três
meses, mas está feliz.
“Eu usava roupas de minha filha de 14 anos.
Esse
não é o corpo normal de uma mulher aos 43”, diz.
Além
de abandonar o cigarro, Márcia vem praticando ioga com freqüência e
caminha todas as manhãs no Parque da Água Branca, Zona Oeste de São
Paulo.
A ausência do tabaco está tendo efeito dominó na vida da
jornalista. “Sinto agora a necessidade de movimentar meu corpo. Por isso
acordo cedo para a caminhada. Assim, vários problemas foram resolvidos
de uma só vez”, calcula ela. Hoje, Márcia aproveita a caminhada para
levar as duas filhas à escola – motivo de discussões constantes com o
marido – e, de quebra, ganhou mais tempo em companhia das meninas. A
qualidade do sono também melhorou. “Tudo ficou melhor, até meu humor”,
empolga-se ela, que credita aos novos hábitos mudanças em todos os
âmbitos da vida.
“A prática da ioga me deu outra expectativa sobre a
vida.
Essa foi a maior descoberta, pois comecei a cuidar do espírito”,
revela. Márcia tem toda a razão em se preocupar com um corpo são, mas
também com a mente sã na busca por um futuro saudável.
Ao contrário do
que se convencionou pensar, a velhice não nos torna necessariamente mais
sábios se não fizermos a nossa parte.
“A experiência é um bem precioso
que deve ser sempre cultivado”, alerta José Carlos Ferrigno, da Gerência
de Estudos da Terceira Idade do Sesc São Paulo.
“Uma boa parte das
pessoas não tem coragem de viver mais intensamente, de refletir sobre o
próprio comportamento ou de pensar nas necessidades dos outros.
Ou seja,
não criaram empatia com os que as cercam.
Essa posição narcisista
certamente vai desembocar em uma velhice mais difícil e infeliz”,
afirma.
“Fácil não é. Não basta só ter vontade, é preciso muita
determinação”, retoma Márcia. “Prometi que vou continuar firme nestas
ações, sempre em busca do equilíbrio.
Daqui a 20 anos, eu quero subir a
escada de cabeça erguida.”
Por
processo semelhante ao da jornalista também passou seu colega de
trabalho, o assessor comercial José Flávio Ferreira, de 50 anos, casado
pela segunda vez e sem filhos.
Há cerca de dez anos ele enfrentou um
divórcio, na mesma época em que foi demitido da empresa na qual
trabalhava.
“Encarei aquela situação como um recomeço.
Passei a ver a
vida com mais otimismo, a me soltar e a me cuidar mais”, conta.
O
primeiro passo foi prestar atenção na dieta e praticar atividade física
com freqüência.
“Hoje caminho cerca de 5 quilômetros por dia.” Já o se
“soltar mais” a que se refere Flávio foi a concretização de um sonho
antigo: viajar.
“Depois da demissão, tirei um ano de férias.
Fui para
todos os lugares que sempre quis conhecer e voltei a todos por onde
tinha passado rapidamente a trabalho.
Rompi com a vida-clichê, com o
plano de carreira e com a burocracia em que vivi durante aqueles 11 anos
na empresa.
Adotei uma nova postura para viver mais e melhor e
valorizar cada minuto da minha vida”, diz Flávio.
A idade é só um número?
Tecnicamente,
o envelhecimento é um processo de desgaste de tecidos e órgãos que todo
ser humano experimenta.
Mas não necessariamente da mesma forma
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu o início da
terceira idade aos 60 anos nos países em desenvolvimento e aos 65 nos
países desenvolvidos.
No entanto, quando se trata de saúde, não é
suficiente estabelecer apenas um único critério para identificar um
grupo tão grande e heterogêneo de pessoas.
“A idade cronológica não é o
parâmetro mais importante na velhice para determinar a qualidade de vida
do idoso”, explica a geriatra Andrea Prates, do Centro Internacional de
Informações para o Envelhecimento Saudável (Cies). “O mais importante é
a capacidade funcional e a autonomia dessa pessoa.” Ou seja, a tão
temida dependência é o que, de fato, estabelece o quão “velho” se está.
“Atendemos pessoas que aos 65 anos padecem com más condições por já ter
sofrido um derrame cerebral e conviver com as seqüelas, por exemplo”,
retoma a médica. “Ao mesmo tempo, chegam pacientes que aos 80 ou 90 anos
ainda estão muito bem.
Ou seja, é importante não fumar, comer bem e se
exercitar, mas fatores emocionais, boas relações familiares, acesso à
informação, enfim, um bom ambiente também faz parte da equação.”
O
envelhecimento saudável está muito atrelado ao que a médica chama de
“capacidade de reserva”.
O que diferencia o jovem do idoso é justamente o
equilíbrio das funções dos órgãos.
Essa capacidade cai conforme a idade
avança, por isso é tão importante haver a manutenção ao longo da vida.
“Obviamente, adquirir hábitos saudáveis faz bem em qualquer idade, mas,
quanto mais jovens fazemos isso, melhor”, recomenda.
E dá um alerta:
“É
igualmente fundamental que a sociedade comece a encarar o envelhecimento
como um processo no curso da vida, uma época em que também é muito
importante manter nossos projetos.
Hoje ainda pode sobrar muito tempo
depois da aposentadoria.
Devemos nos empenhar em viver esses anos, como
sempre, com qualidade.
” Não existe, portanto, uma receita certeira que
garanta um envelhecimento saudável. Pesquisas indicam fatores que podem
contribuir para isso.
Estar ciente dessas informações e tomar atitudes
pensando no futuro mostra que o indivíduo certamente está fazendo a sua
parte.
No
entanto, a realidade brasileira é caracterizada por desigualdades
extremas no que se refere à qualidade de vida na Terceira Idade.
Um
número expressivo de idosos vive em condições precárias, sem
oportunidades do exercício de hábitos saudáveis nessa etapa da vida.
Para essa parcela da população é necessário implementar políticas,
concatenadas entre o poder público e a iniciativa privada, que sejam
suficientes para garantir condições mínimas de um envelhecimento com
dignidade.