Conhecer o bom funcionamento do corpo para manter a saúde em dia é mais prático e barato do que curar doenças!! Texto de Tarsila Moa - Revista Vida Simples – 11/2009
Neste exato instante, esteja você onde estiver, há uma casa com seu nome.
Você é o único dono.
Mas, vez ou outra, perde as chaves da entrada e fica do lado de fora, vendo apenas a fachada.
Essa casa, que abriga suas lembranças, sentimentos e emoções, é o seu corpo.
"Se as paredes falassem", você saberia de cada coisa...
Pois é, na casa que é seu corpo elas falam.
"Estou lentamente digerindo a feijoada", diz o estômago.
"Essa ansiedade me deixa acelerada", diz a respiração.
"Preciso suar a camisa toda vez que você se expõe demais ao vento", exclama o sistema imunológico
Você pode ouvir essas vozes?
Ou faz tempo que delegou sua saúde e bem-estar aos médicos, psiquiatras, pais, maridos, mulheres, terapeutas, filhos?
Num mundo regido pelo corre-corre e por estímulos externos, é comum estarmos demasiadamente ocupados, sem energia, sugados pelo trabalho e confusos em desempenhar tantos papéis.
Nessa toada, ficamos cegos, surdos e mudos sobre o que acontece dentro de "casa" e só prestamos atenção quando algo vai mal - quando surge uma dor estranha, uma doença.
Por fim, passamos a responsabilidade do nosso corpo aos outros.
"Por favor, alguém tome conta de mim!", grita nosso organismo.
Quando isso acontece, renunciamos a autonomia, abdicamos de nossa soberania individual e passamos a pertencer totalmente aos poderes e aos seres que nos recuperam.
Se você vai ao médico com a queixa de uma doença mas mal consegue relatar como é seu estado normal de saúde, algo vai mal.
Se ainda carrega a expectativa de que uma consulta e alguns exames laboratoriais possam dar conta do recado que é, em primeiro lugar, seu, então algo tem que mudar mesmo.
Antes que esse papo soe pesado e cansativo, aí vem a boa notícia: é possível reencontrar as chaves do nosso corpo, tomar posse dele, habitá-lo e nele incorporar a vitalidade, a saúde e a autonomia.
O caminho do autocuidado pode ser prazeroso e instigante quando descobrimos possibilidades até então inéditas.
E, antes que você dê ouvidos a ele por mal, que tal começar a se conhecer em seu estado sadio, íntegro e equilibrado?
TODOS OS SENTIDOS
"Para começar, faça uso dos cinco sentidos", diz Katia Rubio, psicóloga e professora da Escola de Educação Física e Esportes da USP.
O espelho pode ser parceiro no diálogo com o corpo, ajudando-nos a observar se há algo de diferente, se há manchas, inchaços e anomalias.
Os sinais auditivos também falam com a gente: os barulhos do estômago, o nheco-nheco do joelho e o som do coração podem dizer se algo está diferente.
Aliás, você já parou para ouvir sua respiração hoje?
É através do contato com a respiração que conseguimos entrar na sintonia do corpo e sentir o que ele está falando através da percepção do ritmo corporal. "É nas pausas que conseguimos escutar o corpo, pois seu ritmo é diferente do ritmo do dia a dia.
Por isso é importante se permitir quebrar a rotina para entrar em contato com o ritmo orgânico", diz a terapeuta reichiana Flávia Ferretti, de São Paulo. Conhecido como relógio interno, o intestino é o órgão mais suscetível à mudança de rotina, já que tem hora marcada para funcionar. Às vezes, basta uma viagem curta, uma semana corrida para ele sair dos conformes - e você ficar, literalmente, enfezado.
Relaxe, seu reloginho pede tempo para voltar a funcionar como antes.
O tato é um aliado aguçado e íntimo.
Coloque olhos nos seus dedos e comece a escanear o corpo para reconhecer o que está diferente, se está mais seco e áspero (pode estar desidratado) ou com algum relevo estranho que possa apontar algum nódulo.
O exemplo mais famoso é a campanha de prevenção do câncer de mama, em que as mulheres se apalpam para perceber se há alteração nos seios.
Essa maneira de prevenir doenças é bem antiga, de uma época em que não se tinha tanta tecnologia para se detectar problemas.
Tanto é que cheirar, auscultar e tocar são as três medidas básicas da medicina aristotélica, criada pelo filósofo grego Aristóteles por volta de 350 a.C.
"Ele olhava e cheirava as fezes dos pacientes para reconhecer os sinais de saúde de cada indivíduo e, a partir disso, elaborar o diagnóstico e a terapêutica", diz Kátia.
Isso significa que há muitas formas de perceber o que se passa conosco do lado de dentro.
Quer ver?
Em vez de assoar o nariz e imediatamente jogar fora o lenço de papel, verifique a cor e a textura do muco: se está transparente e líquido, pode ser um simples resfriado; se está amarelo e espesso, indica uma inflamação.
Outro ponto interessante - você sabe qual seu cheiro natural?
Que tal parar de esconder de vez em quando os odores naturais com todo tipo de perfume para enfim perceber como eles se distinguem durante o ciclo menstrual, por exemplo, ou se mudam quando você está nervoso?
A ideia não é negligenciar a higiene pessoal, claro, mas incorporar ao dia a dia a investigação do bom (ou mau) funcionamento do que acontece no seu corpo.
"É preciso conhecer a normalidade do corpo, ou seja, seu estado de saúde, para distinguir o que está desorganizado", diz Kátia.
Nos Estados Unidos, a legislação prevê o uso de vaso sanitário de cor branca para que as pessoas possam observar, sem interferência de outras cores, suas fezes e urina.
Isso tem um tanto a ver com o princípio americano de que a responsabilidade pela saúde é de cada indivíduo.
E NASCE A CORPORALIDADE
De acordo com a antroposofia, ciência espiritual criada por Rudolf Steiner, a percepção da saúde e do próprio corpo começa na infância e forma a base de um adulto com boa estrutura física, intelectual e emocional. Importante é o conhecimento do tato, o mais concreto do sentidos, desenvolvido nos primeiros sete anos de vida.
"É por meio dele e das qualidades de força, textura, densidade e viscosidade que a criança percebe o mundo externo.
Ele funciona como um sensor que define o limite do eu e do mundo", afirma a consultora pedagógica Juliana Achcar.
Cabe aos pais e educadores oferecer brincadeiras com objetos que a criança possa apalpar, sentir, apertar, incentivar a subir em árvores, rolar no chão. "Uma criança que teve o tato bem desenvolvido conhece e respeita a própria individualidade e a de todos os seres e tem maior possibilidade de se sentir tranquila e segura quando adulta", diz a pedagoga.
A habilidade para notar seu estado de saúde e doença, dor e prazer, necessidades fisiológicas e saciedade é fundamental.
E para isso não tem jeito: a gente aprende de pequeno que tem de escutar os sinais do corpo, sempre, por toda a vida.
Lembra aquele papo da vovó para a gente não tomar friagem?
O fotógrafo Eduardo Short ouviu direitinho a lição, mas de dentro para fora.
Notou que, quando a temperatura cai ou a ansiedade chega, ele vai muito mais vezes ao banheiro.
"Normalmente, não é assim.
Mas, se eu não estivesse ligado na minha rotina, não seria capaz de interpretar que o frio faz a gente suar menos e a ansiedade me deixa agitado", afirma. Lançar-se no processo de educação corporal é um exercício de longa data - o tempo da nossa vida -, que vai nos deixando cada vez mais afiados para reconhecer o padrão do nosso corpo e as eventuais mudanças que nele acontecem.
O tempo é, sem dúvida, um bom aliado na tarefa de desvendar os sinais do corpo.
A ação também.
Quando algo o incomoda, a melhor coisa é confiar no que você está sentindo e tomar uma atitude.
Bateu uma dor de cabeça?
Hoje você experimenta um remédio e observa, amanhã tenta um chazinho e repouso e vê no que dá.
"Isso o prepara para saber o que dá certo e o que não funciona, o ajuda a criar seu repertório corporal.
Assim, você consegue tomar uma medida mais adequada àquela situação", afirma Ricardo Lucas Pacheco, professor da faculdade de Educação Física e Esportes da Universidade Federal de Santa Catarina.
Esse jogo de erro e acerto também acontece no consultório médico, com a diferença que você se fortalece ao praticar seus cuidados próprios.
CONHEÇA-SE
Estamos sempre interagindo e nos afetando com os fatores externos: o clima, o trânsito, os vizinhos, o chefe, uma música.
Tudo isso mexe com a saúde.
Não é novidade que as milenares tradições orientais, como a medicina chinesa e a ayurvédica, e algumas linhas modernas, como a bioenergética, entendem o corpo como um organismo vivo e inteiro, que adoece quando a energia deixa de fluir.
Por isso exploram o autoconhecimento para lidar com a saúde de forma preventiva e integral, acreditam que é mais fácil, prático e barato preservar a saúde que tratar de doenças.
Prescrevem banhos, massagens, dietas, atividades físicas e meditações.
Quanto mais a gente conhece os movimentos corporais, nossas emoções e reações, adquirimos mais vigor para aceitar os altos e baixos da vida.
Isso quer dizer que é possível interferir em nosso estado de saúde plena antes que ele interfira em nossa vida na forma de doença.
A jornada para dentro de "casa" lembra o enigma da esfinge, que desafiava a todos que passavam por ela com a sentença:
"Decifra-me ou devoro-te".
LIVROS
• Exercícios de Bioenergética, Alexander Lowen, Agora
• O Corpo Tem suas Razões, Thérèse Bertherat e Carol Bernstein, Martins Fontes
• Você Pode Curar sua Vida, Louise L. Hay, Best Seller
Copiado do site: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/saude/